a chatice da democracia



Por José Vítor Malheiros

1. António Borges considera-se extremamente inteligente. Como nunca ninguém lhe explicou que as qualidades próprias não se declaram, decidiu lembrar os portugueses do facto, dizendo-o alto e bom som numa conferência para empresários com cobertura televisiva. Claro que não o fez directamente, porque António Borges tem uma ténue consciência do ridículo, e decidiu lisonjear se com o máximo de discrição de que é capaz fazendo o elogio da sua proposta da TSU.

A medida é “extremamente inteligente”, disse, e os empresários que não gostaram dela só não gostaram dela porque “são completamente ignorantes “ e, se fossem seus alunos, “não passariam do primeiro ano” do seu curso na faculdade.

A declaração não é preocupante por nos revelar que António Borges é aquilo que no Reino Unido se chama em linguagem técnica um pompous ass. Também não é preocupante pelo paternalismo deslocado do chumbo virtual no primeiro ano de gestão com que brindou os seus críticos. Nem sequer por revelar este nojo de Portugal e dos portugueses que com tanta frequência assalta o seu discurso e o enche de tiques nervosos. E também não é preocupante pela ausência de argumentação com que decidiu defender a sua medida, nem por ter preferido um insulto fácil em vez do debate racional que a posição de professor que tanto gosta de invocar aconselharia. Nem sequer pela irritação que demonstrou e que contraria tão frontalmente o que deve ser a fleuma de um consultor do Governo. Nem sequer pela indelicadeza de decidir insultar os empresários quando se dirige a uma assembleia de empresários. Nem pela insensatez de provocar os empresários quando, como responsável pelas privatizações - ninguém sabe bem o que António Borges é de facto, nem qual o seu grau de responsabilidade, se recebe ordens de Passos Coelho ou se lhas dá, mas é algo parecido com isto - lhe compete tentar atraí-los para a mesa das negociações. Nada disso. A declaração é preocupante porque revela quão pouco António Borges sabe sobre as pessoas, como despreza os seus sentimentos e a sua vontade e como menospreza a política.

Acredito que António Borges saiba fazer contas e acredito que conheça alguma coisa (ou muito, é irrelevante) sobre teoria económica e finanças públicas. E é um facto que o homem já ocupou cargos de grande relevância - como fazia notar, com uma reverência um tudo-nada deslumbrada, Alexandre Soares dos Santos, que o contratou para a administração daJerónimo Martins. Acredito ainda que António Borges possua uma invulgar capacidade para gerir o seu tempo - o que explicaria como a gestão das privatizações, as renegociações das PPP, a reestruturação do Sector Empresarial do Estado e a monitorização da situação da banca, responsabilidades que Pedro Passos Coelho lhe atribuiu, lhe tenham deixado tempo livre para poder acumular com a administração da Jerónimo Martins.

Mas o que António Borges não concebe é como a vontade dos cidadãos, dos trabalhadores, dos patrões, possa ser incluída na equação quando se trata de tomar uma decisão política. O que António Borges não percebe é aquela coisa chamada democracia. O que António Borges não percebe é que a aritmética da medida da TSU talvez estivesse certa, mas a bondade de uma medida política não se pode avaliar pela aritmética porque ela deve, antes de mais, ter em consideração a vontade das pessoas que vai afectar. O que António Borges não aceita é que os trabalhadores recusem a política de emprobrecimento que ele, António Borges, defende como inevitável. Chateia-o. Tal como a Pinheiro de Azevedo o chateava ser sequestrado, a António Borges chateia-o que os trabalhadores tenham a veleidade de ter opiniões e de querer melhorar a sua vida. O que António Borges não aceita é que os patrões tenham ficado preocupados com a redução do consumo interno e com a conflitualidade e queda de produtividade que a medida provocaria em vez de ver a big picture a longo prazo, de um proletariado reduzido à submissão.

António Borges lamenta que haja quem pense que é preciso ter em consideração a vontade dos cidadãos. De pessoas mal-vestidas, com hipotecas, se calhar comunistas. António Borges acha que essa chatice só vem complicar a aritmética. Resta-nos esperar que a sua desilusão com o povo e com os empresários portugueses seja tão grande que se resigne a ir iluminar outros países com os seus conselhos.

2. Um sinal na grande manifestação da CGTP de dia 29: a quantidade de gente com cartazes caseiros com ataques “aos políticos”. Não apenas à direita, ao PSD e ao CDS, ao capital e à troika, mas “aos políticos”. Cartazes não oficiais e slogans não autorizados, como é evidente, mas a quantidade de pessoas que adopta um discurso anti-política, anti-políticos e anti-partidos cresce a olhos vistos, em todas as manifestações. É significativo que eles surjam até na da CGTP.

O governo de Pedro Passos Coelho está a dar mau nome à democracia. E o PSD, o CDS e o PS estão a dar mau nome aos partidos. Vamos reparar só quando for tarde demais? 

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