a refundação do pedro



Por Ana Sá Lopes

O primeiro-ministro quer “refundar” o Memorando da troika. Para quem tivesse a mínima desconfiança, Passos esclareceu de imediato que não se tratava de “renegociar”. Mas se o governo não quer renegociar nada “com os nossos credores”, vai “refundar” o quê?

Ora a “refundação” não é um slogan inventado no fim-de-semana só para confundir os portugueses – embora tenha confundido um dos seus próprios ministros. Veja-se como ontem o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, ficou em transe com uma pergunta sobre o que era isso da refundação e remeteu explicações para o seu superior hierárquico.

Mas quando o primeiro-ministro fala em “refundar” o Memorando, naquilo que verdadeiramente fala é na refundação de si próprio. Quando o primeiro-ministro anuncia a refundação do consenso social que se estabeleceu depois da normalização democrática e está genericamente expresso na Constituição, ele refunda – ou vai às fundações – do seu próprio pensamento ideológico inicial, aquele que em primeiro lugar anunciou aos portugueses. E se Passos pode ser acusado de incoerência relativamente aos aumentos de impostos e aos sacrifícios exigidos, nesta matéria de refundação, desde o primeiro dia, Passos sempre disse ao que vinha. No livrinho “Mudar” está lá tudo, como estava no mal-amado projecto de revisão constitucional e na defesa de privatização da Caixa Geral de Depósitos. Passos Coelho foi recuando nesses seus planos iniciais por falta de apoio popular – mesmo dentro do Partido Social-Democrata que sempre foi mais ou menos tendencialmente social-democrata. Mas Passos Coelho não é um social-democrata, é um legítimo e verdadeiro liberal que foi varrendo para debaixo dos móveis o programa genuíno à medida que percebia a sua impopularidade. Agora que atingiu o grau zero da impopularidade, está à vontade. Perdido por cem, perdido por mil, Passos Coelho atingiu agora a dimensão máxima da liberdade – aquela em que se pode dizer tudo o que realmente se pensa porque realmente já não há nada a perder.

E, afinal, o que é que Pedro Passos Coelho, líder de um governo agonizante, obrigado a cumprir um programa da troika com objectivos impossíveis, protagonista da destruição da economia e do emprego, impedido de sair à rua e condenado ao ostracismo, tem a perder? Nada. Quando na campanha eleitoral escondeu este programa ultraliberal ao eleitorado, Passos também não sonhava que chegaria a este fim de linha.

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