perdido

Por Pedro Marques Lopes
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O nosso primeiro-ministro parece ainda não ter percebido que de cada vez que presta declarações fala com os cidadãos. Como os portugueses não estão propriamente interessados em ter conversas de café com o homem que os governa, convinha que tivesse alguma coisa para dizer quando lhes fala. E já agora de substancial ou, pelo menos, alguma novidade.

Na semana passada, Passos Coelho começou com um discurso, de quase uma hora, na Madeira, em que diagnosticou amnésia, sem que se tenha percebido muito bem a quem. Disse que "podia bem" com os adversários das suas políticas, afirmou a sua convicção na inteligência dos portugueses e jurou que a austeridade ainda não é excessiva. Fora os desconhecidos conhecimentos sobre psiquiatria, a habilidade para testes de inteligência e a bravata - as bravatas começam a ser um hábito de Passos Coelho -, nada de novo.

Depois, quarta-feira, o primeiro--ministro deu uma entrevista à TVI.

Após a votação da coisa a que alguns chamam orçamento, com a convicção na opinião pública a crescer de que a refundação ou a reforma do Estado não passa dum corte cego de quatro mil milhões de euros na despesa, afectando seriamente os alicerces do nosso edifício social sem que se conheça a alternativa, e sem ainda sabermos o que se passou com o Orçamento de 2012, fazia sentido Passos Coelho vir esclarecer-nos. Se não fosse pedir muito, talvez acender uma velazinha de esperança.

Mas eis o que tinha para nos dizer: o desvio colossal no défice de 2012 foi uma surpresa; renegociação, nem pensar (vai ser penoso ver o primeiro-ministro a anunciar brevemente a renegociação); a austeridade será redentora; o orçamento para 2013 é bom porque os deputados votaram (Passos Coelho ainda não percebeu o que se está a passar no PSD e no grupo parlamentar) e ele "espera que o Governo acredite nele"... A palavra de esperança foi esta: "Vai custar muito. Mas vamos lá chegar vivos." A cereja no topo do bolo. Ufa, ficamos todos muito mais aliviados...

Confirmamos que Passos Coelho quer mesmo criar um problema com Paulo Portas: a distracção do primeiro-ministro tem limites e ele com certeza sabe que um governo de coligação tem uma hierarquia formal e outra material. O Governo sem Gaspar pode continuar, mas não sem Portas. A guerra dentro do Governo e na coligação prossegue.

E a refundação, ou reforma do Estado ou reforma das funções do Estado? Em Fevereiro logo se vê. Pergunta-se: então onde é que param os planos feitos por aquelas equipas de sábios que rodeavam Passos Coelho? Por onde anda o conhecimento absoluto sobre todos os aspectos da governação que permitia mudar tudo três meses após a tomada de posse? Perdeu-se tudo na mudança de São Caetano para São Bento ou era uma colossal aldrabice?

Apareceu, porém, uma espécie de ideia: uma das partes da refundação ia ser feita através de pagamentos na educação pública. Ninguém percebeu em que tipo de ensino, de que forma, de que maneira ia ser feito, nada. Claro está, e para não variar, lá veio um ministro, neste caso o da Educação, no dia seguinte, desmentir o seu primeiro--ministro. Nada de novo, portanto.

Já percebemos que o primeiro-ministro não prepara as entrevistas, não estuda os temas e vai pensando enquanto fala. Mas, convenhamos, de quem anuncia uma refundação do Estado sem saber minimamente o que vai fazer, de quem desenha um orçamento criminoso e inconsciente, de quem propôs a alteração na TSU sem perceber o impacto da medida, não se pode esperar que prepare uma entrevista.

Passos Coelho vulgarizando as suas intervenções, não acrescentando nada, repetindo apenas meia dúzia de frases feitas em que já ninguém acredita, perde a atenção dos cidadãos quebrando um elo fundamental entre liderança e população. Como nunca, essa ligação era vital. Mas está, infelizmente, perdida.

O pior, porém, é já ser evidente que fora a sua fé cega no plano revolucionário pós-troikiano de Gaspar, Passos Coelho não tem uma ideia consolidada e estruturada sobre praticamente nada. E sempre que fala, isso torna-se claro para cada vez mais pessoas. Agora tem fé em Gaspar, outro guru se seguirá.

Nada pior do que sentir que quem nos lidera está ainda mais perdido do que nós.

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