os inimputáveis



Por Nuno Ramos de Almeida

No dia das eleições autárquicas, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, sossegou o governo dizendo que a sua permanência não estava dependente da votação do povo.

Para dizer a verdade, mesmo que o primeiro-ministro fosse apanhado em flagrante a cometer um crime de delito comum (entenda-se com um enquadramento jurídico diferente dos desmandos que pratica habitualmente contra a população portuguesa), só haveria uma certeza: o Presidente Aníbal ia fechar os olhos e garantir-lhe a sua total cumplicidade.

Este clima de impunidade contagiou todo o governo. A ministra de Estado e das Finanças garante nunca ter visto um swap, semanas depois prova- -se que participou em pareceres sobre os ditos na sua prévia actividade profissional. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, que pede desculpa ao governo de Angola por investigações da justiça portuguesa e garante que estas não vão dar em nada. Quando a procuradora-geral da República relembra ao governo a independência, consagrada na Constituição da República, do Ministério Público e lhe diz que numa democracia, como em Portugal, há separação de poderes e o governo não determina as investigações judiciais, depressa aparece o primeiro-ministro Passos Coelho a falar de um lapso de linguagem do ministro Machete.

Estes lapsos são recorrentes no titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, os mesmos que o levaram a omitir deliberadamente a qualidade de accionista da SLN e o seu papel no BPN. Ao contrário dos contribuintes, que vão pagar cerca de 8 mil milhões de euros por causa das tropelias e das ilegalidades dos gestores da SLN/BPN, Rui Machete ganhou dinheiro com o BPN e foi presidente do Conselho Superior da SLN Valores. Ele é aliás o símbolo da total irresponsabilidade deste governo. Os papéis da embaixada dos Estados Unidos da América revelados pelo Wikileaks mostravam que os responsáveis da diplomacia de Washington consideravam pelo menos controversa, para ser diplomático, a sua gestão dos dinheiros da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). O embaixador dos EUA escrevia de Machete : "Continua a gastar 46% do seu orçamento de funcionamento nos seus gabinetes luxuosos decorados com peças de arte, pessoal supérfluo, uma frota de BMW com motorista e custos administrativos e de pessoal."

Depois de pedir recentemente desculpas diplomáticas por causa das investigações do Ministério Público português, veio a saber-se que o escritório em que esteve Machete faz a defesa de alguns dos investigados, o que torna as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros mais graves. Apesar desta verdadeira tempestade, o inquilino de Belém continua mudo em relação ao mundo real e passeia- -se na Suécia a pregar a brilhante recuperação da economia nacional. Em qualquer outra função, isso exigiria um imediato controlo para substâncias alucinogénias. Aqui é motivo de bocejo.

Este clima de impunidade só é possível devido à legitimação que estas práticas recebem dos habituais intelectuais orgânicos e comentadores do regime. Eles querem que seja considerado normal que a lei não seja igual para todos. Defendem que a lei e a Constituição só são para cumprir quando isso for do "interesse geral", definindo os poderosos e os seus propagandistas de turno esse interesse, que se confunde sempre com a defesa das suas manigâncias. Não é de surpreender, portanto, que gente como Teresa de Sousa escreva que os juízes do Tribunal Constitucional "vivem fora do mundo e se acham com o direito de interpretar a Constituição como se nada mais existisse à face da Terra". Qual foi uma das duas palavras que ela não entendeu: "Tribunal" ou "Constitucional"? Como em qualquer parte do mundo, os tribunais constitucionais servem para averiguar se as leis respeitam a Constituição. Só isso. E ninguém pode estar acima da lei.

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