os avisos imperiosos

Por Baptista-Bastos

Mário Soares nunca ocultou o profundo desprezo político que experimenta pelo dr. Cavaco. E, com as armas e os utensílios que lhe são comuns, tem manifestado, sem rebuço nem hipocrisia, os seus sentimentos. Em artigos, declarações, entrevistas, opiniões públicas, depoimentos, jamais dissimulou os seus verdetes por aquele que considera um dos maiores fautores dos nossos infortúnios. Não é de agora. "O Gajo" mereceu-lhe, com constância e sarcasmo, diatribes contundentes.

Uma vez ainda, em entrevista a Paulo Magalhães, anteontem, na TVI, o antigo Presidente da República prosseguiu no empreendimento político de demolição do dr. Cavaco, exigindo que ele e o primeiro-ministro se demitissem, para salvação da pátria, que "caminha para o abismo", irremediavelmente. A veemência com que Mário Soares invectivou o actual morador em Belém tem razão de ser. Portugal está numa situação de ruptura e todas as agências no-lo informam, com a secura de números e a prova da grande incompetência amplamente demonstrada por um Governo, cada vez mais pródigo em proteger as grandes empresas e em abrigar os seus amigos. Pouco antes das declarações de Soares, a jornalista Constança Cunha e Sá revelou que a nomeação de Vasco Rato para a administração de FLAD (Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento), espécie de sinecura esforçada, se ficava a dever à circunstância de este ser amigo de peito de Passos Coelho. E fez desfilar o rol de incapacidades que o referido Rato possuía no currículo paupérrimo. Aliás, Constança Cunha e Sá tem sido implacável, nesta e noutras matérias, em denunciar os malefícios do compadrio e as notórias deficiências deste Executivo.

Sem haver ligação de texto, mas sim uma relação de fundo, porque os aleijões políticos e sociais se multiplicam, as declarações de Soares e as de Constança complementaram-se. Ambas foram comuns em fazer sentir que a nossa desgraça se acentua. Soares advertiu, com uma gravidade inesperada para quem o optimismo histórico é conhecido, que falava assim porque as ameaças de violência que pairam na sociedade portuguesa são reais. A urgência em reunir a cidadania, o apelo à Resistência e a necessidade de se correr com o Governo "e com o Presidente da República", acentuou, amiúde, são imperiosos.

De facto, este dr. Cavaco tem manifestado um descarado apoio a Passos e sua rapaziada, tripudiando sobre as exigências morais e constitucionais, a que está obrigado por compromisso de honra. De outro modo, a passagem daquele homem pelo poder, seja ele governamental ou presidencial, expressou-se numa espécie de maldição para o País. Ele foi o "normalizador" da sociedade portuguesa, impondo um estilo cataléptico, rígido e possidónio numa época em que ainda se respirava um pouco da alegria da Revolução. Soares percebeu, rapidamente, a impreparação e o arrivismo de uma criatura a quem os grandes interesses deram o poder, simplesmente para garantir o seu domínio. "Deixem-nos trabalhar!", a exclamação que fez capítulo no historial do ridículo e da triste soberba, é, no fundo, a marca de um infortúnio e de um caminho funesto. Os oceanos de dinheiro de que o dr. Cavaco beneficiou, durante a década em que foi primeiro-ministro, esbanjados em betão inútil e em obras de estadão, terão de ser analisados, a fim de se apurar responsabilidades. Sei de quem está a tratar do assunto. E penso que, desta vez, a impunidade não sairá vencedora. Os vaticínios do Catroga, segundo o qual os prevaricadores devem ir para a cadeia, seriam, assim, bem justos.

Os avisos de Mário Soares são por demais importantes e sérios para que os entendamos como birras pessoais. Assim como as revelações frequentes de Constança Cunha e Sá chamam a atenção para a gravidade da nossa inércia. Não é despropositado pedir a demissão desta gente, "sem esquecer o Presidente da República." Eles não gostam de nós, e assim procedem. Eles estão a dar cabo da pátria, talvez apoiados na tradicional impunidade. Será sempre assim?

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